O elemento mais dinâmico no mercado religioso no Brasil é o Neopentecostalismo. Essa condição, segundo Mariano (1999:39), desencadeia um processo de aproximação das correntes menos dinâmicas do pentecostalismo em direção às correntes mais dinâmicas, num processo que o autor denomina de “Neopentecostalização”.
Este artigo se situa no ensejo de verificar o movimento de aproximação da Renovação Carismática Católica-RCC com o Neopentecostalismo. O roteiro seguido é o de contextualização da terminologia das ciências sociais no tema, passando às aproximações do movimento carismático católico com o movimento neopentecostal. Se justifica a averiguação a tese de Mariano nos carismáticos católicos, de modo destacado, uma vez que os mesmos são elementos atípicos do pentecostalismo, posto que o movimento pentecostal conta com ampla maioria de protestantes.
Para tal empreendimento foram acessados materiais emanados da própria RCC; produções alguns de seus membros eminentes, como o Padre Jonas Abib, Presidente da Comunidade Canção Nova e membro do Conselho Nacional da RCC, além de estudos sociológicos que tratam do fenômeno da pentecostalização católica.
De um modo geral procurar-se-á elementos que evidenciem a aproximação dos carismáticos católicos com o Neopentecostalismo a partir de um quadro de conceituação do mesmo. Assim, a tarefa desse artigo é traçar as distâncias e aproximações da RCC com as características distintivas dos neopentecostais.
Resultados
O maior estudioso do fenômeno das novas Igrejas pentecostais como Igreja Universal do Reino de Deus e Igreja Internacional da Graça, o sociólogo Ricardo Mariano, repensou toda a terminologia sociológica a partir de seus aprofundados estudos e que constitui o referencial teórico do artigo.
A primeira fase do Pentecostalismo no Brasil, marcada pelas Igrejas Assembléia de Deus e Congregação Cristã do Brasil que aqui foram formadas em 1911 e 1910, respectivamente, que dão ênfase ao dom de línguas é separada da segunda fase por um corte histórico institucional, por que há uma distância de 40 anos entre uma e outra;
A segunda fase tem início por volta dos anos 50 e 60 e tem como representantes por um lado a Quadrangular, a Brasil Para Cristo e por outro a entrada do movimento pentecostal nas igrejas tradicionais como um movimento transversal a elas, essa fase dá ênfase ao dom da cura e é denominada de Deuteropentecostalismo.
Tendo nascido nos anos 60, a RCC pertence ao Deuteropentecostalismo, posto que o critério de conceituação dos termos elencados faz-se por seu lugar histórico.
A terceira fase é a do Neopentecostalismo, aqui não há simplesmente uma mudança na ênfase, mas inovações substanciais. É possível discernir o Neopentecostalismo através dos seguintes elementos (os elementos de diferenciação deste para o com o Pentecostalismo e com o Deuteropentecostalismo):
- Presença da lógica da moderna administração capitalista no empreendimento religioso, sobretudo o marketing;
- A “Guerra Santa”, com o combate sistemático das “Forças do Mal”, demônios, entidades das religiões de origem africana, maldições hereditárias, etc…
- Ausência dos sinais externos de santidade, característicos dos pentecostais, como as vestes recatadas, o cabelo comprido (nas mulheres), a ausência de maquiagem, brincos, etc.;
- A utilização de elementos mundanos, retomados em significado, para transmitir a mensagem cristã, tais como música dos mais variados estilos, Reggae, Samba e Rock, com direito a tatuagens, piercings e abuso de adornos de metal;
- A Teologia da Prosperidade, que pressupõe que toda prosperidade pode ser alcançada com a fé em Deus. E é evidente que nesta lógica, a fé é afirmada com vultuosas doações financeiras à Igreja; (SIEPIERSKI, 2001:92 e MARIANO, 1999:32-48).
Pensa-se que embora haja três correntes pentecostais, as menos dinâmicas sofrem influência e se aproximam da mais dinâmica, vivem um processo que Mariano chama de “Neopentecostalização” (MARIANO, 1999:39). Estabelecer-se-á então uma comparação entre o movimento neopentecostal e a RCC baseado no quadro que elenca as principais características do Neopentecostalismo, descrito acima, verificando a tese de Mariano em relação especificamente aos pentecostais católicos:
Ponto a ponto:
Não se afasta definitivamente a RCC das igrejas neopentecostais no que diz respeito à utilização dos métodos do moderno capitalismo na organização dos empreendimentos religiosos, não talvez na organização específica do movimento, mas alguns de seus empreendimentos apontam uma profissionalização orientada conforme a racionalidade do capitalismo moderno.
Um exemplo claro é que mesmo sendo uma tradição que os empreendimentos organizacionais da Igreja Católica sejam organizados por crentes leigos e principalmente por sacerdotes, a rede de TV Canção Nova conseguiu dar um salto de audiência com sua reestruturação cuja base foi a contratação de um dos mais renomados profissionais do marketing comercial e político do país, Nizan Guanaes, (CAPPARELLI & SANTOS, 2005), também a Associação do Senhor Jesus, configuração jurídica da TV Século XXI, teve seu plano de Marketing religioso elaborado pelo principal profissional da área, sendo que os passos do plano consistiam em conquistar uma quantidade razoável de telespectadores fiéis à programação da Associação e logo em seguida, torná-los colaboradores permanentes (SOUZA, 2001).
Como demonstra Brenda Carranza na primeira parte de sua tese de doutoramento (2005), todas as atividades em torno do padre Marcelo Rossi possuem também um alto grau de profissionalização. Nesse trabalho ela procura compreender os meandro desta “terceira onda de recatolização” (Idem:7) e expõe a postura dos padres-cantores carismáticos que entendem que a evangelização deve ser feita por todos os meios, levando a uma visão conteudista, posto que separa o conteúdo do meio e da lógica interna pela qual esse meio funciona (Idem:46).
Também se reconhece proximidade da RCC com o conceito de “Guerra Santa” do item 2 quando reconhece seus inimigos:
O espiritismo kardecista, a umbanda, o candomblé, os seguidores do Reverendo Moon, a Igreja Messiânica Universal, a Seicho-No-Iê, além de práticas como as técnicas de controle mental e de relaxamento, a hipnose, a ioga, a meditação transcendental, além das sociedades secretas, como a Rosacruz e a Maçonaria. (SILVA, 2000).
Mais interessante ainda é a crescente ascensão da crença das maldições hereditárias na RCC, uma das marcas da igreja Renascer em Cristo e de muita importância também na Igreja Universal do Reino de Deus (MARIANO, 1999:137 e SIEPIERSKI, 2001:91). Quando se teve a primeira referência desta crença na RCC foi no IX Cenáculo de Maria da RCC de São Sebastião – SP, em que a pregadora, vinda da diocese de Lorena (mesma diocese da Canção Nova), discursou:
Vamos orar para expulsar o espírito de pobreza, o espírito de Satanás, para tirar a maldição que colocaram na sua vida. Vamos todos orar: eu renuncio a toda depressão, a toda opressão maligna, vamos orar em línguas, eu rejeito toda miséria, eu rejeito toda maldição hereditária, toda feitiçaria, toda macumbaria (…) (ALVES, 2005).
Entretanto, com grande surpresa encontrou-se toda uma oração dedicada à expulsão das maldições hereditárias maternais de autoria do Padre Marcelo Rossi. (REVISTA SALMOS E ANJOS, 2006) e o próprio Pe. Jonas Abib também afirma as maldições hereditárias. (ABIB, 2005:20).
Tomando como referência ainda o quadro de conceituação do Neopentecostalismo, a Renovação Carismática Católica se enquadra perfeitamente no item 3, que diz respeito à ausência dos sinais externos de santidade, uma vez que não é caracterizado pelo uso, por parte dos fiéis, de vestimentas específicas e outros adornos específicos que não estéticos ou opcionais como cruzes, taos, etc.
No que tange ao item 4, que diz respeito a utilização de elementos mundanos com conteúdo religioso a RCC também parece muito avançada, sobretudo nos formatos comerciais de sua programação televisiva (LACERDA, 2006 [a]) e também na ascensão dos padres-cantores, tão característicos do catolicismo performático, levado a cabo pela RCC (CARRANZA, op.cit.:7).
Apesar de viver um processo de neopentecostalização, a RCC não pode ser considerada pertencente ao neopentecostalismo por que não assume plenamente seu elemento principal, que é, evidentemente, a Teologia da Prosperidade, ainda que indícios apontem que caminha neste sentido. Atenção para esse discurso:
O capeta tem tirado a saúde dos servos do Senhor, o demônio tem prejudicado a situação financeira dos servos do Senhor, nós (aponta para o marido) não tínhamos dinheiro nem para pagar o ônibus do nosso filho. Então nós oramos e está acabando o ano e nós estamos pagando a faculdade e não passamos fome, pagamos a luz, a água. Eu tenho que dizer ‘eu quero esse carro’ e confiar no Senhor. (ALVES, 2005).
Mas não se trata apenas de um equívoco circunstancial de uma pregadora menor, Pe. Jonas aqui insiste para que o leitor torne sua casa uma casa de oração:
Não espere que alguém adoeça, não espere que aconteça algum acidente grave, que ocorram problemas econômicos graves… Deus não vai tirar a desforra fazendo isso… nem pense que é Jesus quem vai causar esses problemas. Tudo isso será conseqüência de sua própria escolha.(ABIB, 2004:66).
Na primeira citação há a presença da idéia de que Deus retribui a fé com prosperidade material e na segunda a idéia de que demônios interferem em nossa vida atrapalhando a prosperidade material das pessoas, pilares básicos da Teologia da Prosperidade.
Mas como já dissemos, isso é ainda muito incipiente.
Há ainda mais um elemento que não aparece no quadro de conceituação do neopentecostalismo, mas que é também fundamental em sua organização, trata-se da descomplexificação do discurso:
O discurso é mais ‘popular’, mais direto, sem rodeios, no caso pentecostal, e mais elaborado quando carismático (…) o discurso pentecostal é mais imediatista, mais ‘chão’, mais fácil de ser assimilado (…).Há sempre apenas uma causa, uma razão: o diabo. (…) já no discurso carismático, embora se mencione o demônio, está sempre presente a noção de livre-arbítrio: cada um adere ou não ao pecado, por sua vontade. Ninguém é aliviado da culpa; é preciso que se trave uma batalha interior. (PRANDI, 1998:132-133).
Isso foi o que Prandi escreveu em 1996, já na primeira edição de seu livro, o que não parece condizer com os escritos de padre Jonas, que tomaram muito maior vulto a partir do fim da década de 90 e começo dos anos 2000, por ocasião do advento da Rede de TV Canção Nova:
Os próprios pais e mães-de-santo e todos os que trabalham em centros e terreiros são as primeiras vítimas: são instrumentalizados por Satanás. (ABIB, 2005:15). Podemos dizer sem medo que, infelizmente os espíritas são as primeiras vítimas do embuste do demônio. Não estamos contra eles: estamos contra quem os enganou (ABIB, 2005:50).
A idéia católica de responsabilidade pessoal é toda ela olvidada, é a simplificação do discurso: sua vida está “amarrada”, queime os artigos espíritas, mande embora os demônios e tudo se resolverá. Esse parece ser o tom do avanço carismático nos meios populares.
Tanto a Guerra Santa quando a Teologia da Prosperidade e a simplificação do discurso carismático estão atrelados ao forte dualismo característico do movimento nos últimos anos.
A RCC nasceu sob a liderança de padre Harold Rahm, em 1969, esta primeira fase do movimento é denominado “racionalista/ecumênico” (LACERDA, 2006 [b]:40) e foi tomando novos rumos com a hegemonização das posições de padre Eduardo Dougherty a partir da década de 80, constituindo uma segunda fase do movimento denominada “carismático/dualista” (Idem:46) e que tem como uma das principais características a forte presença do diabo, embora o próprio movimento insista na retórica da negação desta prática, desaconselhando “Dar importância desmedida ao ‘diabo’” .
Entretanto essa regulação não funciona na prática. Padre Jonas é um dos ícones do dualismo, e está entre os pregadores que mais recorrem à temática do Demônio. Para ilustrar, foi feita uma análise da temática em seu livro “Sim, Sim! Não, Não!”.
No referido livro há nada mais, nada menos que 132 menções ao Demônio, seja de forma mais fluida como nos termos de “espíritos enganosos”, “espíritos sujos” e principalmente “espíritos malignos”, e “demônios”, no plural, mas também na forma pessoal, e de diversas formas: “espírito das trevas”, “diabo”, o “mentiroso”, “maligno”, o “inimigo”, “príncipe desse mundo”, o bom e velho “Satanás”, e o clássico “Demônio”.
Não é um número pequeno, mas a análise quantitativa apenas insinua o diferencial qualitativo, trata-se de perceber o demônio em toda parte e se por a combatê-lo, de modo que há aqui um diferencial importante com a orientação do Conselho Nacional da RCC. E as posições de Pe. Jonas são divulgadas e cultivadas de modo amplo, devido à conjuntura dualista que hoje hegemoniza a própria RCC, que se torna ainda mais aguda com a presença da Canção Nova.
Esse dualismo está na base de grande parte da aproximação da RCC com os neopentecostais, pois forma o pano de fundo donde circula a Guerra Santa, o ensaio de aproximação com a Teologia da Prosperidade e simplificação do discurso carismático.
Conclusão
O Neopentecostalismo apresenta novos elementos teológicos que exercem um determinado grau de influência nos demais movimentos pentecostais, este movimento de neopentecostalização fora já insinuado por Mariano (op.cit.:39) e corroborado nesse artigo que teve como objeto específico de pesquisa a Renovação Carismática Católica.
Parece que o sucesso neopentecostal no mercado religioso atende a uma demanda específica de sentido apreendida pelos neopentecostais e que forçam os demais produtores de bens simbólicos a ressemantizar seu próprio arcabouço doutrinal e também reforçá-lo com novos ingredientes, em maior consonância com essas novas demandas.
A Renovação Carismática Católica, como se viu, sofre um processo de neopentecostalização, caminhando a práticas presentes naquela que constitui a corrente mais dinâmica do campo religioso brasileiro, isto é, caminha-se rumo ao Neopentecostalismo, cujo ícone de maior grandeza é a Igreja Universal do Reino de Deus.
Essa aproximação se dá de forma contundente, no entanto, não se pode imaginar, de forma ingênua, que um grupo carismático sentou a mesa para debater o mercado religioso e chegou à conclusão de que a melhor alternativa seria a de se neopentecostalizar. Quando se aponta a aproximação dos católicos com o Neopentecostalismo, isto se faz à semelhança de Carranza (op.cit.:142) que quando afirma o mesmo movimento de aproximação (porém, em outros termos e com outro enfoque) não deixa de lembrar que “talvez não sejam os católicos que vão atrás dos pentecostais, copiando seus métodos e estratégias, mas ambos, descompassadamente, [que] acomodam-se a processos sociais mais amplos”.