A devoção ao
Sagrado Coração de
Jesus
e a Contra-Revolução
fonte: PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA
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Plinio Corrêa de Oliveira
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de
conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP,
mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós,
certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de
retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que
fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e
constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento
tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,
por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento,
desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras "Revolução" e
"Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o
Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e
Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de
"Catolicismo", em abril de 1959.
Imagem do Sagrado Coração de Jesus venerada pelo Prof.
Plinio desde sua infância
Os senhores sabem que a devoção ao Sagrado Coração de Jesus
encontra-se na raiz de todos os movimentos contra-revolucionários maiores ou
menores, mais conhecidos ou menos, que eclodiram a partir do momento em que
Santa Margarida Maria recebeu essa revelação no século XVII. Ela recebeu a
incumbência de, em nome do Sagrado Coração de Jesus, [pedir] ao rei Luís XIV,
que consagrasse a França ao Sagrado Coração e que pusesse nas armas da França o
Coração de Jesus.
Ela prometia ao rei que desde que ele se resolvesse [a]
atacar os inimigos da Igreja, o Coração de Jesus o ampararia, conduziria seu
reinado a uma grande glória etc., etc. [cfr. Marguerite-Marie Alacoque, Vie et
oeuvres, Saint Paul, Paris-Fribourg, 1990, t. II, pp. 335-337, 343-344,
435-436]. O Sagrado Coração de Jesus estava esperando de Luiz XIV é que ele
mudasse a orientação que tinha e se pusesse à testa da Contra-Revolução. Uma
vez que fizesse isso, haveria para ele um reinado de glória e haveria para a
França um verdadeiro apogeu, mas um apogeu católico. É evidente que nesse caso,
a devoção ao Sagrado Coração se teria estendido pelo mundo inteiro, teria
havido, na França, clima para as pregações de São Luiz Grignion de Montfort e
para que também se generalizassem pelo mundo inteiro — São Luiz Grignion também
viveu no tempo de Luiz XIV — e teria se conseguido evitar a Revolução Francesa.
Mediante esse pedido feito ao rei, a Revolução, na forma que tinha ao tempo de
Santa Margarida Maria, teria estancado; a forma péssima que tomou depois e que
foi a Revolução Francesa, teria sido prevenida.
Portanto, essa devoção, logo no seu primeiro movimento, em
sua primeira indicação da parte do Sagrado Coração, tem um sentido nitidamente
contra-revolucionário.
O professor Furquim, estudando detidamente isso, chama a
atenção para [o fato de] que os vários movimentos contra-revolucionários [que]
se esboçaram nos séculos XVIII e XIX tinham ligação com o Sagrado Coração de
Jesus. Os senhores sabem que os "chouans" também levaram o Sagrado
Coração no distintivo, e que essa devoção tem sido, invariavelmente,
preconizada pelos bons, tem inspirado os bons e tem sido para eles uma causa de
alento, enquanto tem sido detestada pelos maus.
Vitral da igreja de Notre-Dame, em Beaupréau representando o
general Henri de La Rochejaquelein - 1890
O que dizem os maus contra a devoção ao Sagrado Coração de
Jesus? Primeiro uma coisa que pensam ser um argumento decisivo: "por que
adorar o Coração de Jesus? Não poderíamos fazer uma linda devoção às Sagradas
mãos de Jesus? Aos Sagrados olhos de Jesus? Então, decompomos blasfemamente
Jesus e vamos fazer uma adoração a cada parte do corpo. Então, fazemos uma
adoração às orelhas, que ouvem todas as súplicas do homem, à boca, que falou,
às mãos que abençoaram (não dizem que também fustigaram...). Então, não vale a
pena fazer essa devoção".
"Depois, dizem eles, é uma devoção sentimental. O
coração é o emblema do sentimento para o sentimentalismo. Portanto é uma
devoção sentimental, sem conteúdo teológico e não deve ser admitida".
Na realidade, a Santa Sé, várias vezes, por meio de documentos pontifícios solenes,
substanciosos, magníficos, recomendou essa devoção [cfr. Por exemplo, a
encíclica "Inscrutabile divinae Sapientiae" do Papa Pio VI, em 1775];
cobriu de indulgências a devoção das primeiras sextas-feiras, ligadas à devoção
ao Sagrado Coração de Jesus, porque é a comunhão feita em reparação às ofensas
que o Sagrado Coração de Jesus recebe. Ela cumulou de indulgências as
confrarias e arquiconfrarias que Ela mesma instituiu em favor da devoção do
Sagrado Coração de Jesus. Ela aprovou e estimulou a construção de igrejas,
altares e imagens em louvor do Sagrado Coração.
Quanto ao mistério da Igreja, essa devoção é, tem sido
aprovada de modo superabundante e tem tudo para merecer nossa confiança. De
outro lado, esse argumento de que não se pode ter uma devoção a cada parte do
sacratíssimo corpo de Nosso Senhor, não tem sentido nenhum. De fato,
privadamente falando, podemos adorar a Nosso Senhor em suas mãos santíssimas,
podemos e devemos adorá-Lo em seus olhos infinitamente expressivos,
significativos, régios, doutorais e salvadores. Pensar que com um só olhar
Nosso Senhor regenerou São Pedro, e adorar Nosso Senhor inclusive em seus olhos
divinos, evidentemente é uma coisa que se pode fazer.
Apenas a Igreja, que tem muito o senso do ridículo, e que
compreende que o ridículo fica a um passo do sublime, compreende que os
espíritos vulgares teriam facilidade em pôr sarcasmo contra uma coisa que assim
desmembrada realmente choca um pouco a sensibilidade humana, mas que nada tem
de contrário ao raciocínio e que até muito adequadamente pode fazer-se. Por
exemplo, conta-se de pedras da via sacra - sobretudo de uma - no caminho de
Nosso Senhor, que teria a marca de seus pés divinos. Ao adorar seus pés divinos
enquanto palmilharam a terra para ensinar, enquanto encheram-se do pó dos
caminhos para ensinar e salvar, para combater o mal, adorar esses pés enquanto
serviram para carregar a cruz, enquanto se encheram de sangue para nossa
Redenção, enquanto suportaram os cravos da Paixão, é perfeitamente verdadeiro,
legítimo, necessário.
E até um lindo modo de adorarmos a Nosso Senhor Jesus Cristo
é nos unirmos às disposições e meditações de Nossa Senhora, na ocasião em que
Nosso Senhor foi descido da cruz, quando Ela teve seu corpo sacratíssimo no
colo, exangue. Ela contemplou cada parte desse corpo machucado com uma dor, com
uma profundidade de conceitos, de amor, de veneração, de respeito, de carinho.
Ela considerou cada uma dessas partes, adorou, com certeza, cada uma dessas
partes em sua significação e sua função específica; mediu a ofensa feita à
divindade no ter flagelado aquela parte e com isso - afinal de contas - Ela praticou
essa devoção.
Portanto, é apenas uma questão de conveniência, uma questão
de senso das aparências, senso das proporções, se ousasse exprimir-se assim,
que leva a Igreja a não promover a adoração de cada uma das partes do corpo de
Nosso Senhor.
O que é, propriamente, a devoção ao Sagrado Coração? É a
devoção ao órgão de Nosso Senhor, que é o Coração. Mas na Escritura, o coração
não tem o significado sentimental que tomou no fim do século XVIII, mais ou
menos, e certamente no século XIX. Não exprime o sentimento. Quando diz a
Escritura: “A ti disse o meu coração: eu te procurei”, o coração aí é a vontade
humana, é o propósito humano, é propriamente, a santidade humana. Aí quando
Nosso Senhor diz isso, diz: "na minha vontade santíssima, Eu quero".
O Evangelho diz: “Nossa Senhora guardou todas as coisas em seu coração e as
meditava”. Os senhores percebem que não é o coração sentimental, mas a vontade
dEla, a alma dEla que guardava aquelas coisas e pensava sobre elas. O coração é
a vontade da pessoa, o seu elemento dinâmico que considera e pondera as coisas.
O Sagrado Coração de Jesus é a consideração disso em Nosso Senhor, simbolizado
pelo coração, porque todos os movimentos da vontade do homem podem ter no
coração uma repercussão. Nesse sentido, então, é o órgão adequado para exprimir
isso. E é nesse sentido, então, que se adora o Santíssimo Coração de Jesus.
Imaculado Coração de Maria
Por correlação, por conexão, existe a devoção imensamente
significativa, do Imaculado Coração de Maria. O Imaculado Coração de Maria é um
escrínio dentro do qual encontramos o Sacratíssimo Coração de Jesus [vide por
exemplo o artigo publicado no "Legionário" de 21-7-1940 e intitulado
NOSSA SENHORA DO SAGRADO CORAÇÃO].
A essa devoção Nosso Senhor prometeu um caudal de graças.
Comentei o ano passado as promessas do Coração de Jesus a quem fizer as nove
primeiras sextas-feiras. A mais marcante delas, talvez, é que as almas que
fizerem as nove sextas-feiras não morrerão sem terem a graça especial de se
arrependerem antes. Não quer dizer que elas certamente irão para o Céu. Quer
dizer que terão uma grande graça antes de morrer; não quer dizer que vão
perceber que vão morrer, mas no momento relacionado com a morte, elas terão uma
grande graça, tão grande que todas as esperanças se podem ter de sua salvação.
Os senhores compreendem quanto empenho há na Igreja em que
essa devoção seja conhecida, seja apreciada, seja medida com a razão, porque
devoção sentimental não tem sentido. Devoção varonil é a que procura conhecer a
razão de ser da coisa e ama a coisa pela sua razão de ser; assim é que um homem
e uma mulher forte do Evangelho pensam a respeito das coisas de piedade. Então,
pensar nisso, querer isso, dirigirmos nossa alma ao Coração de Jesus como fonte
de graças calculadas para a época de Revolução, calculada para as épocas
difíceis que deveriam vir e pedir que o Coração de Jesus, regenerador pelo
sangue e pela água que dEle saiu, nos lave. Isto é propriamente a oração
magnífica que nas sextas-feiras e, sobretudo, na primeira sexta-feira do mês, e
na Sexta-feira da Paixão se deve considerar.
Assim, termino insistindo nesse ponto. Já falei que aquele
centurião que perfurou com uma lança o Coração de Jesus, ao praticar esse ato
de violência contra esse verdadeiro sacrário que era o Coração Sagrado de
Jesus, da água e do sangue que saíram do flanco de Nosso Senhor, uma parte
jorrou em seus olhos, e ele imediatamente se curou e recuperou a vista. Para
nós isto é altamente eloqüente.
Quer dizer que quem tem devoção ao Sagrado Coração de Jesus
pode pedir uma graça igual, não para a vista física, da qual, graças a Deus,
nenhum de nós carece, mas para a vista mental, se queremos ter senso católico,
se queremos ter senso da Revolução e da Contra-Revolução, se queremos ter a
percepção de como a Revolução e a Contra-Revolução trabalham em torno de nós,
se queremos ter senso para distinguir em nós o que é Revolução e
Contra-Revolução, se queremos ter conhecimento de nossos defeitos, se queremos
ter conhecimento das almas dos outros para fazer bem aos outros, se queremos
ter um bom discernimento para os estudos, se queremos ter distâncias psíquicas
para termos equilíbrio mental e nervoso e para nos curarmos — o quanto possível — de molezas de toda
ordem, podemos e devemos recorrer ao Sagrado Coração de Jesus que, com uma
graça jorrada dEle — como a água que curou o centurião — possa eliminar a
cegueira de nossas almas, porque somos cheios de cegueiras de todos os graus e
ordens.
Peçamos ao Sagrado Coração de Jesus, por intermédio do
Coração Imaculado de Maria — porque só assim, por intermédio de Nossa Senhora é
que se obtém dEle as graças que nos curem dessa múltipla cegueira —, e teremos
feito um esplêndido pedido e estaremos a caminho de conseguir uma magnífica
graça.